sexta-feira, 31 de agosto de 2007

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS GENIAIS









HQ Coisa - Julho de 2007- Tio Patinhas 60 anos
Para criá-lo, o desenhista Carl Barks inspirou-se em Ebenezer Scrooge, um milionário avarento que acaba descobrindo ter um bom coração na peça “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens. Ironicamente, nos anos 70, uma dupla de intelectualóides radicais de esquerda diriam que ele era o símbolo máximo do capitalismo, que passava mensagens subliminares do Imperialismo às mentes pueris das crianças. Alheio a teorias da conspiração e ideologias políticas, Scrooge Mac Duck, ou melhor, Tio Patinhas completa seis décadas de existência neste ano. E, como é comum nestas ocasiões, quem ganha presente são os fãs do personagem: a editora Abril acaba de lançar, em três volumes, o excelente A Saga do Tio Patinhas, uma longa HQ que conta a história do pato desde sua infância pobre, na Escócia.
Foi em um longínquo dezembro de 1947 que o estadunidense Barks criou aquele que viria a ser um dos maiores sucessos da família Disney. Aliás, diga-se de passagem, Barks – também chamado de “Homem-Pato” – é o grande responsável por boa parte do mundo de Mickey e companhia: foi ele que criou Patópolis (Duckburg, no original) e outros personagens fantásticos como os Irmãos Metralha, Maga Patológika. Professor Pardal, Gastão...
Patinhas Mac Patinhas apareceu pela primeira vez como um tio rico e avarento que resolve testar a coragem do sobrinho Donald mandando-o passar o Natal em uma cabana de sua propriedade, em um lugar inóspito no meio da neve e à mercê de ursos. Pouco depois, Barks criaria a história “O Segredo do Castelo”, primeira a ser publicada no Brasil com o personagem, em 1950 (no número um da revista Pato Donald). Nesta segunda história, o Homem dos Patos começaria a lapidar melhor a personalidade do magnata, bem como a dar pistas de sua família e do que passou para conquistar seus fantastilhões de patacas.
Com o passar dos anos (e de centenas de HQs), Barks criou um personagem definitivo e irresistível: um sovina que adora nadar no dinheiro de sua Caixa-Forte e ainda tem a primeira moeda que ganhou, mas que ao mesmo tempo se envolve em aventuras fantásticas no meio da selva e em civilizações perdidas atrás de tesouros lendários (pagando no máximo 30 centavos por hora para os sobrinhos ajudá-lo). Um homem, que dizer, pato, que sabe o valor do dinheiro e odeia gastar uma mísera moedinha, mas que também é capaz de gestos de grandeza incomensuráveis ou de gastar milhões apenas para provar que sua fortuna é a maior do mundo.A dubiedade do personagem que, de quando em quando, mostrava ter um coração generoso, mas ao mesmo tempo era capaz de explorar financeiramente os próprios sobrinhos, nunca incomodou Barks.
“Eu acho que todo mundo deve ser capaz de subir (socialmente) tão alto quanto puder ou quiser, desde que não mate ninguém nem oprima outras pessoas no caminho. Um pouqinho de exploração é algo natural”, dizia o cartunista que morreu aos 99 anos e criou mais de 500 histórias para a Disney – sem ter enriquecido com isso.
A Saga do Tio Patinhas, porém, ajuda a compreender melhor as manias e a personalidade de Patinhas. O próprio Barks já havia citado inúmeras histórias do passado do personagem em suas HQs, bem como feito o velho Patinhas revisitar – e descobrir novos tesouros em – cenários de aventuras que teria vivido na infância e adolescência. A saga, porém, mostra estas aventuras, de maneira inteligente e, por vezes, até emocionante (impossível não ficar comovido com a cena já neste primeiro volume de quando o pato recebe a notícia da morte da mãe).
O mais interessante da aventura, porém, é que o cartunista Don Rosa (que a idealizou e desenhou) colocou na história todas as reminiscências do velho pato criadas por Barks e as costurou de maneira magistral, em ordem cronológica, em uma grande odisséia inédita. Assim, os leitores descobrem, por exemplo, como era possível Patinhas ter nascido em família pobre e ter herdado o castelo da primeira HQ publicada no Brasil.
Há também diversos momentos “históricos” - como quando o milionário ganhou a moedinha número um e a primeira aparição dos Metralhas e do rival Mac Money - e curiosidades: quer conhecer a mãe do Pato Donald, Hortência? Ela está lá, na mais tenra infância e na atribulada adolescência, exibindo o pavio-curto que tornaria-se característico do filho. No segundo volume aparece também Dumbella (a irmã de Donald e mãe de Huguinho, Zezinho e Luizinho), além da então jovem Donalda, com o marido Tomás e os três filhos - entre os quais o pai do Donald e a mãe do Gastão.
Mais ainda: descobre-se que foi o (então) futuro presidente Teddy Roosevelt que, sem querer, incutiu em Patinhas a mania de guardar moedas. TR, representado por um cachorro antropomórfico na HQ, ensina o pato que o dinheiro vale não pelo que ele compra, mas pela aventura e o trabalho que se tem para ganhá-lo.
Ao lado da série Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks (também lançada pela Abril e atualmente no 28º volume), A Saga do Tio Patinhas (R$ 14,95, 146 páginas) é, sem dúvida, o que de melhor já foi feito sobre o personagem. Imperdível não só para os fãs e os nostálgicos, mas para qualquer um que queira conhecer melhor o pato adorado por “fantastilhões” de fãs ou, simplesmente, divertir-se com uma HQ magistral.
Em tempo: o tal livro lançado nos anos 70, pelo chileno Ariel Dorfman e o belga Armand Mattelard, chamava-se Para ler o pato Donald era propositadamente intolerante e analisava os personagens a partir de uma pequena amostra de HQs, boa parte delas com balões de diálogo distorcidos para encaixarem-se nas opiniões dos autores (os originais eram apagados e se escrevia, muitas vezes a mão, frases nunca ditas por Patinhas e companhia).
Na internet é possível encontrar muitas referências e análises do livro infeliz (lançado no Brasil em 1980 pela Editora Terra e Paz). Para os interessados em uma análise séria e coerente dos quadrinhos Disney, porém, recomenda-se Para reler os quadrinhos Disney, do professor brasileiro Roberto Elísio dos Santos (Editora Paulinas, 2002).
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